O mercado de autoconhecimento se mostrou um dos mais lucrativos, especialmente depois da crise sanitária de 2020. Com isso, surgiram coaches, gurus, especialistas em absolutamente todas as áreas. Mas a área de saúde mental se destacou como uma espinha no meio da testa. Com isso, o mercado de saúde mental se tornou lucrativo e… complexo. A maioria dos textos sobre autoconhecimento, além de serem abarrotados de frases prontas, parece mais um manual de como montar uma biblioteca de jacarandá, mas escrito por um monge budista. “Olhe para dentro”, “encontre seu propósito”, “siga sua luz interior” — e aí você tenta, mas só encontra aquela voz dizendo “será que deixei o fogão ligado?”.
Autoconhecimento real não vem de frases de inspiração penduradas na geladeira. Vêm de perguntas que cutucam seus pontos cegos — aquelas que ninguém faz no almoço de família (afinal, tia Marta só quer saber quando você vai arrumar um emprego “de verdade”, além de falar daquela sua prima que passou em quatro concursos públicos, enquanto que você pega dois ônibus para chegar no trabalho que paga dois mil reais).
Abaixo, eu trouxe cinco questionamentos cientificamente embasados e zero açucarados. Se responder honestamente, pode ser mais revelador que aquele episódio de Black Mirror que te deixou em crise existencial por uma semana. E o mais importante nisso tudo. São perguntas para te fazer realmente pensar. Vamos lá?
1. “O que eu tolero hoje que não toleraria há cinco anos?”
(E o que isso diz sobre meus limites — ou falta deles?)
Um estudo da Universidade de Stanford mostrou que nosso “tolerômetro” muda conforme envelhecemos — mas nem sempre para melhor. Às vezes, a gente chama de “amadurecimento” o que, na verdade, é só cansaço disfarçado de resignação.
Exemplo prático:
- 5 anos atrás: “Nunca aceitaria um emprego que me esgota mentalmente!”
- Hoje: “Pelo menos o salário paga a terapia.”
Não é sobre julgar suas escolhas, mas sobre notar quando você trocou seu “não negociável” por um “tá bom, vai assim mesmo”.
2. “Quem eu invejo — e o que isso revela sobre meus desejos reais?”
Sim, aqui eu vou cutucar a ferida e falar do pecado capital que todo mundo finge que não comete.
Aqui, a ciência entra com um fato curioso: pesquisas em psicologia social indicam que a inveja é um detector de ambições distorcidas. Se você sente um aperto ao ver o colega de faculdade viajando pela Europa, talvez não seja sobre ele — e sim sobre você adiando seu próprio mochilão desde 2018, ou simplesmente porque não tem dinheiro para bancar uma viagem dessas.
O exercício é transformar o “oxe, mas esse aí?” Em “o que essa emoção está tentando me dizer?”.
3. “Qual foi a última vez que mudei de opinião sobre algo importante?”
Não minta para mim (nem para você! Se a resposta for “não lembro”, temos um problema.
Neurocientistas da Universidade Harvard provaram que a flexibilidade cognitiva está ligada ao bem-estar emocional. Em outras palavras: quem se permite revisar crenças (políticas, profissionais, até sobre aquele ex) tende a ser menos ansiosa.
Pergunte-se o seguinte:
- Você ainda acredita nas mesmas coisas que há uma década?
- Se sim, é por convicção ou por comodidade?
4. “O que eu faria se ninguém fosse me julgar?”
Incluindo aquela versão de você que mora na sua cabeça de graça.
Um experimento publicado no Journal of Experimental Psychology mostrou que o medo de avaliação social nos faz tomar decisões 27% mais conservadoras — desde carreira até relacionamentos.
Tente visualizar:
- Que hobbies você abandonou porque “não dão dinheiro”?
- Que conversas evita porque “soariam estranhas”?
Autoconhecimento também é sobre reconhecer quantas escolhas são suas — e quantas são só para caber no molde que a sociedade criou ao seu redor.
5. “Como eu gastaria meu tempo se soubesse que vou morrer em um ano?”
Pergunta mórbida a essa hora? Talvez. Eficiente? Com certeza.
Psicólogos da Universidade de Buffalo descobriram que pensar na finitude aumenta a clareza de prioridades. E não, não é sobre virar um hedonista (a menos que “hedonismo” para você seja dormir até tarde no domingo).
A questão aqui é:
- O que você realmente lamentaria não ter feito?
- E por que diabos não está fazendo agora? (Sim, tenho consciência de que a imensa maioria dos nossos desejos depende do dinheiro que não temos. Infelizmente.
Conclusão: Autoconhecimento não é um destino — é a bagunça no caminho.
Não existe resposta “certa” para nenhuma dessas perguntas. Até porque, como bem lembrou a filósofa Susan Sontag: “O self não é algo que se encontra, mas algo que se cria.”
Então vá em frente. Responda. Mude as respostas daqui a um ano. E, principalmente, permita-se achar estranho no processo — porque o crescimento raramente vem embrulhado num pacote bonito.
Ah, e lembra do meu artigo sobre journaling? Coloque-o em prática. Anote as cinco coisas que você não tolerava antes e agora tolera. Daqui a um ano, analise suas respostas e veja o que mudou (porque muda, tá?).
Fique bem!
Fontes de pesquisa para as estudiosas: Stanford University; Journal of Experimental Psychology; University of Buffalo; Harvard Neuroscience Lab.