Epicteto e o Diário Filosófico: A arte de escrever a própria liberdade.

“Não são as coisas que nos perturbam, mas as opiniões que temos sobre elas.”

No século I d.C., em uma pequena escola em Nicópolis, um ex-escravo manco ensinava filosofia para romanos poderosos. Este ex-escravo era Epicteto. Ele não escreveu livros – na verdade, foram seus discípulos que  registraram suas Diatribes, conversas cortantes como navalhas, cheias de perguntas que desmontavam ilusões. Hoje, graças a tais registros, podemos resgatar seu método mais íntimo: o diário como ginásio da mente, onde treinamos para distinguir o que é nosso do que não é.

O peso das impressões.

Vamos fazer um pequeno exercício. Imagine sua mente como uma peneira. Todos os dias, milhares de coisas caem nesta peneira, milhares de impressões: um elogio, uma cobrança, um plano que deu errado. O problema, segundo Epicteto, começa quando confundimos essas impressões com a realidade. Escrever é o ato de peneirar essas impressões, separando o que é real do que não é. Ao registrar um conflito no papel, você o obriga a passar pelo crivo da razão. Aquele pensamento que parecia um monstro à noite, de manhã vira apenas tinta sobre papel – e tinta pode ser riscada.

O Diário dos Dois Juízos.

O exercício estoico (ah, como eu amo o Estoicismo) mais poderoso é bem simples: pegue um caderno – se você já tiver um diário, é melhor ainda – e divida cada página em duas colunas. Na esquerda, descreva o fato cru (“Meu chefe criticou meu trabalho”). Na direita, seu julgamento sobre ele (“Isso prova que sou incompetente”). Então, como Epicteto faria, interrogue:

“Onde está escrito que uma crítica equivale a uma sentença? Posso controlar a opinião alheia? O que controlo, então?”

Aos poucos, você vai descobrir que a maior parte do sofrimento mora na coluna da direita, ou seja, o seu julgamento sobre o evento  – e essa é a única que pode apagar.

As perguntas que desmontam a tirania.

Epicteto adorava desafiar seus discípulos com questionamentos que expunham contradições. Eis aqui alguns que você pode adaptar para seu diário:

  • “Se isso acontecesse a um amigo, eu diria que é o fim do mundo?”
  • “Daqui a cinco anos, isso ainda importará?”
  • “Estou sofrendo pelo fato ou pela minha narrativa sobre ele?”

Escreva as respostas sem autocensura. Coloque seu coração na ponta da caneta. Muitas vezes, a liberdade surge quando a primeira mentira que contamos a nós mesmos é desmascarada.

O Ritual da Manhã e da Noite.

Os estoicos praticavam o que hoje chamaríamos de mindfulness escrito. Vamos lá, experimente:

Ao amanhecer, anote:
“O que realmente depende de mim hoje?”
Não liste tarefas, mas atitudes: paciência, esforço, honestidade.

Ao anoitecer, confesse:
“Onde deixei minhas emoções dominarem a situação?”
“O que aprendi sobre meu poder de escolha?”

Epicteto lembrava que nenhum dia é perdido quando terminamos mais sábios do que começamos.

A Coragem das Palavras Nuas.

Há uma diferença entre ruminar pensamentos e escrevê-los. No papel, as frases perdem o calor da urgência e revelam seus buracos lógicos. Aquele “não aguento mais” vira “suportei ontem, suporto agora”. O “isso é injusto” transforma-se em “isso foge ao meu controle”.

É por isso que o Imperador Marco Aurélio – que manteve diários por décadas – começava muitas anotações com “Diga a si mesmo…”. Escrever é fazer sermão para a própria alma, mas com compaixão.

E agora, um último exercício: Queimar para Renascer.

Epicteto sugeria revisitar os diários antigos para rir das próprias preocupações passadas. Mas há outra prática poderosa: escolher uma página cheia de angústias e rasgá-la. Simbolicamente, você está exercitando o desapego. O que restará no caderno? Apenas o essencial – como ensinava o mestre: “Só temos uma vida para perder, e quem não teme perdê-la não é escravo.”

Aqui deixo links para as estudiosas de plantão: 

  • Manual de Epicteto (Edipro) – aforismos para inspirar reflexões.
  • Meditações, de Marco Aurélio – o diário estoico mais famoso.

E agora?
Pegue um caderno comum – não precisa ser de couro ou cheio de firulas. Mas, se quiser, pegue aqueles adesivos que você está guardando desde 2001 e enfeite todas as folhas do caderno, ninguém vai te julgar. 

Na primeira página, copie a frase mais libertadora de Epicteto: “Não procure que os eventos aconteçam como você quer; queira-os como acontecem, e você seguirá bem.” O resto das páginas? Será sua vida deixando de ser vivida no piloto automático. 

Fique bem!

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