Epicuro e a Arte do Desejo: O diário de um jardim interior.

“Não é o jovem que deve ser considerado feliz, mas o velho que viveu uma vida bela. Pois o jovem, em sua força, vagueia distraído por seus muitos desejos; já o velho ancorou sua vida no porto da serenidade.” — Epicuro.

Há dois milênios, em um jardim às portas de Atenas, houve um filósofo que desafiou o senso comum: o caminho para a felicidade não está em acumular, mas em subtrair. Enquanto a sociedade celebrava banquetes e riquezas, Epicuro ensinava que os verdadeiros prazeres cabem na palma da mão — o calor do sol, o sabor da água depois da sede, a conversa entre amigos ao crepúsculo.

O grande mal-entendido sobre Epicuro.

Dizem que ele pregava o hedonismo desenfreado, mas seu hedonismo era de uma delicadeza radical. Enquanto nós confundimos prazeres com excessos (estou vendo as pessoas que ostentam nas redes sociais), ele nos lembrava que todo exagero carrega consigo a semente do sofrimento. Aquele segundo pedaço de bolo que estraga o sono, a compra por impulso que vira dívida, a paixão obsessiva que consome a paz — tudo isso ele chamava de desejos vazios, porque nos afastam da ataraxia, a serenidade inquebrantável.

O Diário Epicurista: uma jornada de quatro semanas.

Não, a mudança não vem do dia para a noite. Infelizmente, estamos tão condicionados a gastar, a querer sempre mais coisas materiais, a nos comparar sempre com os outros, que buscar uma vida mais simples e tranquila parece uma tarefa praticamente impossível. Mas calma, há uma solução e eu vou te ajudar nisso. Mas, antes de mais nada, tenha consciência de que isso passará por quatro semanas de dedicação. Se você está pronta para este compromisso, vem comigo.

Primeira semana: o mapa dos desejos.

Toda noite, antes de dormir, escreva no seu diário, um post-it ou papel de pão:
“Hoje, desejei ardentemente três coisas:”
(Seja honesta: pode ser desde um doce até a aprovação alheia.)
Em seguida, pergunte:
“Qual desses desejos teria feito o velho Epicuro sorrir, e qual teria feito ele suspirar?”
Não se julgue — observe. Como um botânico catalogando flores venenosas e medicinais.

Parabéns, você completou o primeiro passo!

Segunda semana: a geometria do prazer.

Epicuro era um mestre em calcular custos emocionais. Para cada desejo intenso que você sentiu ao longo do dia, anote:
“Se eu satisfizer isso, qual será o preço em ansiedade, tempo ou liberdade?”
Ao fazer isso, você descobrirá, como ele, que muitos prazeres são como mel preso a espinhos — quanto mais se busca, mais se sangra.

Isso aí, a segunda semana está completa!

Terceira semana: os prazeres invisíveis.

O exercício mais revolucionário: faça esta lista ao acordar.
“Três coisas simples que, se desaparecessem hoje, me fariam sofrer:”
A maciez do seu travesseiro? O cheiro do café pela manhã? O silêncio antes do mundo acordar?
Esses são seus verdadeiros tesouros — e a maioria não custa um centavo.

Vamos lá, só mais uma semana!

Quarta Semana: O Banquete do Suficiente.

No último dia, prepare uma refeição simples (pão, queijo, azeitonas, talvez um copo de vinho ou suco se você não beber álcool). Convide alguém querido ou desfrute sozinha deste pequeno banquete. Mas há uma regra a seguir:
“Cada garfada deve ser consciente. Cada gole, uma celebração.”
No seu diário, registre:
“Hoje, por uma hora, fui livre. Não porque tive tudo, mas porque nada me faltou.”

Nunca estamos satisfeitas com o que temos porque o que as outras têm sempre parece melhor. O celular é melhor, os fones de ouvido são mais “cheguei”, o perfume é mais cheiroso, as roupas são de alguma grife com nome estranho e preço absurdo. Elas sempre viajam, sempre estão em festas e em carros de luxo (enquanto você está de pé em um ônibus lotado). As redes sociais mostram uma realidade paralela que se mostra muito mais convidativa que nosso dia a dia sem graça. As redes sociais também nos ensinam a sonhar com viagens a Paris, mas não a ver a poesia na xícara de chá fumegante. Nos fazem desejar esquiar nos Montes Suíços, mas não nos deixam ver a beleza de uma gota de chuva que cai na sua testa quando você olha para o céu. As redes nos vendem a ideia de que a vida perfeita está em mais, quando ela sempre esteve em menos, mas melhor. Entende onde quero chegar? As redes mostraram essas escolhas erradas como se fossem as certas. E é por isso que não temos mais. tempo para apreciar nada, porque nada mais faz sentido se não tiver um filtro instalado, se não puder ser comparado com o que alguma influencer fez. 

Essa é a importância de despertar para as pequenas coisas que Epicuro mencionava e cultivar o seu jardim interior. Tenha em mente que o seu diário não é um exercício de privação, mas de redescoberta. Como ele escreveu a um discípulo: “Envia-me um pote de queijo, para que eu possa banquetear-me quando quiser.” A felicidade, afinal, cabe em um pote — e no espaço entre um desejo e outro, onde mora a liberdade.

Depois que você fizer o exercício das Quatro Semanas, guarde seu diário por seis meses. Releia num domingo chuvoso (ou em uma segunda ensolarada). Surpreenda-se ao perceber que, sem querer, você plantou um jardim dentro de si. Agora ele floresce mesmo no inverno.

Como dizia o mestre: “Se queres ser rico, não acrescentes à tua bolsa, mas subtrais do teu desejo.” A conta sempre foi simples; nós que complicamos. 

Fontes para as estudiosas de plantão:

  • “Cartas a Meneceu” (Epicuro) — seu manual da vida boa.
  • “O Elogio da Sombra” (Junichiro Tanizaki) — sobre a beleza do não óbvio.

Fique bem!

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