Platão e a Alma Tripartite: a dança imperfeita entre Razão, Paixão e Desejo.

“Conhecer a si mesmo é começar uma revolução silenciosa.”

Em um crepúsculo dourado na Atenas antiga, Platão contava a seus discípulos uma história que revelava o segredo mais íntimo da natureza humana.

Imaginem uma carruagem alada cruzando os céus, puxada por dois cavalos tão diferentes quanto o dia e a noite. Um branco, de crinas douradas, que voa em direção ao sol; outro negro, de narinas fumegantes, que se debate contra as rédeas. E no alto do coche, um cocheiro (também chamado de auriga) de braços firmes, suando para manter o equilíbrio. Esta não é uma fábula sobre deuses ou heróis — é um espelho. Seu espelho.

O teatro da Alma.

Platão via nossa psique como uma peça em três atos, onde cada personagem tem seu papel vital, mas perigoso:

A razão representada pelo cocheiro. Ele não é um tirano impassível, mas um sábio cansado. Ele sabe o caminho para a verdade, mas suas mãos estão ocupadas demais segurando as rédeas. 

Já o Impulso Nobre, representado pelo cavalo branco, é aquela parte de nós que se inflama diante da injustiça, que se ergue depois da queda, que acredita na beleza mesmo na escuridão. 

Mas… e o Desejo, representado aqui pelo cavalo negro? Ah, ele não é vilão — sem seu fôlego, a carruagem nem sairia do lugar. O problema começa quando ele morde o freio e arrasta todos para o abismo.

Quando os cavalos se rebelam.

Todas nós conhecemos essa guerra íntima. Você está lá, em um dia chuvoso, se perguntando se vale a pena ir à academia. O cocheiro sussurra sobre amanhã, sobre promessas, sobre saúde. O cavalo branco relincha sobre a  força de vontade e disciplina. Mas o cavalo negro… ele não argumenta. Ele apenas puxa. E, de repente, você está de pijama debaixo da coberta e assistindo série antes mesmo que sua mente entenda o que aconteceu.

Platão diria que não se trata de derrotar o cavalo negro, mas de educá-lo. Pois um desejo domado torna-se aliado. Aquele mesmo impulso que ontem te fez deitar e ir assistir séries no lugar de ir treinar, pode te levar a testar um treino novo, a finalmente perder a preguiça de ir no simulador de escadas.

O equilíbrio como arte.

Há um momento sublime no diálogo Fedro, onde Sócrates descreve a alma perfeita: não aquela sem conflitos, mas aquela onde o cocheiro aprende a linguagem dos cavalos. Onde a razão não esmaga os desejos, mas os conduz como um maestro afina instrumentos. Onde a paixão não é sufocada, mas direcionada.

Experimente, nesta semana, observar seus três atores internos:

  1. Quando sentir um desejo irresistível, pergunte: “Quem está falando mais alto agora?”
  2. Nos momentos de indecisão, imagine o cocheiro acariciando as crinas dos cavalos, negociando.
  3. Quando fizer algo de que se orgulha, repare como os três estavam em harmonia.

A beleza do conflito.

O que Platão nos oferece com essa analogia do cocheiro e os cavalos não é uma fórmula para a paz interior, mas uma poética da luta humana. Não há vergonha em ser uma carruagem desgovernada às vezes. A vergonha seria deixar de tentar dirigir.

Como escreveu o filósofo em A República: “Toda alma busca o Bem, mesmo quando erra o caminho.” 

Seus cavalos podem estar cansados, o cocheiro pode estar distraído, mas a carruagem — ah, a carruagem sempre terá asas. Basta lembrar-se de usá-las.

E agora?
Na próxima vez que sentir vontade de algo que sabe que não lhe serve, em vez de brigar consigo mesma, experimente dizer: “Calma, meu cavalo negro, eu te entendo.” Mas hoje vamos em outra direção.” A surpresa pode ser doce.

Para as estudiosas de plantão:

  • Fedro de Platão (a alegoria original)
  • O Cavalo e o Jaguar (Rubem Alves) – uma releitura poética.

Fique bem!

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